Nas palavras de Jung na sua obra A vida Simbólica, Cap. III,
“A pessoa humana precisa de vida simbólica. E precisa com urgência. Nós só vivemos coisas banais, comuns, racionais ou irracionais – que naturalmente também estão dentro do campo de interesse do racionalismo, caso contrário não poderíamos chamá-las irracionais. Mas não temos vida simbólica. Onde vivemos simbolicamente?….
“Algum dos senhores tem em sua casa um cantinho onde possa realizar os ritos, como se vê na Índia? Lá até as casas mais simples têm um canto separado com uma cortina onde os membros da família podem levar sua vida simbólica, onde podem fazer novos votos e meditar. Nós não temos isso, não temos um canto desses. Temos naturalmente nosso quarto, mas lá existe um telefone que pode tocar a qualquer hora, e temos de estar sempre preparados. Não temos tempo, não temos lugar. Onde estão em nosso meio aquelas imagens dogmáticas ou misteriosas? Em nenhum lugar. Temos é claro galerias de arte onde matamos os deuses às centenas. Roubamos das igrejas aquelas imagens misteriosas, imagens mágicas, e as colocamos em galerias de arte. Isto é pior do que a matança das trezentas crianças em Belém; isto é blasfêmia.
“Portanto, não temos vida simbólica, mas temos necessidade premente dela. Somente a vida simbólica pode expressar a necessidade da alma – a necessidade diária da alma, bem entendido. E pelo fato de as pessoas não terem isso, não conseguem sair dessa roda viva, dessa vida assustadora, maçante e banal onde são “nada mais do que”. No rito estão próximas de Deus; são até mesmo divinas. Pensemos apenas no sacerdote da Igreja Católica que está na divindade: ele traz a si mesmo como sacrifício sobre o altar; ele mesmo se oferece como sacrifício. Fazemos nós isto? Onde temos consciência de fazer isto? Em lugar nenhum! Tudo é banal, tudo é “nada mais do que”; e por isso as pessoas são neuróticas. As pessoas estão simplesmente enfastiadas de tudo, dessa vida banal, e por isso querem sensações. Querem até uma guerra: todas querem uma guerra. Todas ficam felizes quando há uma guerra e dizem: “Graças a Deus, finalmente acontece algo – algo que é maior do que nós”.
“Estas coisas entram fundo e não é de admirar que as pessoas fiquem neuróticas. A vida é racional demais, não há existência simbólica em que sou outra coisa, em que desempenho um papel, o meu papel, como um ator no drama divino da vida” .
Desta forma Jung vê a importância dos rituais, e mais do que isto a importância do simbolismo em nossas vidas. É necessário, sonhar, imaginar, criar, “escapar” da realidade e criar em certas situações uma “vida diferente”, este é o substrato que necessitamos para não desenvolver patologias.
Como exemplo de rituais, cito a missa católica que é, para todos efeitos um potente e solene ritual de magia cuja intenção é coagular e concentrar uma energia cósmica de amor em uma certa quantidade física de pão e vinho.
A intenção é que, estando o oficiante e os presentes no devido estado interior, a ingestão desses alimentos impregnados magicamente propiciará uma possibilidade de acesso ou comunhão com essa energia.
Nesse sentido, Deus Pai representa o aspecto criador da divindade, e o Espírito Santo o agente ou aspecto divino que possibilita a Gnose no Iniciado.
Deus Filho é a energia solidária que une os entes criados, é o fator de coesão e atração presente no universo, a força centrípeta que mantém coeso o universo criado pelo Pai. As três pessoas da Trindade são princípios cósmicos gerais que são recriados na missa ritual necessário para a nossa psique.
No islamismo temos a conhecida peregrinação (hajj) para a Casa de Deus em Makkah. Esse importantíssimo pilar do Islam é uma manifestação de união excepcional que dissipa todas as espécies de diferenças. Muçulmanos de to¬dos os cantos do mundo, vestindo a mesma roupa, respondem ao chamamento do hajj, numa só voz e língua: labbaika allahumma lahaik (Eis-me aqui ?Deus!). Na peregrinação há um ritual de estrita auto-disciplina e controle, onde não somente as coisas sagradas são reverenciadas, mas até mesmo as vidas das plan¬tas e dos pássaros são tornadas invioláveis, para que tudo viva em segurança:
“Quanto àquele que enaltecer os ritos sa¬grados de Deus, será melhor para ele aos olhos de seu Senhor.” (22ª. Surata, versículo 30).
“Quem enaltecer os símbolos de Deus, saiba que tal (enaltecimento) parte de quem possui piedade no coração.” (22ª. Surata, versículo 32).
Dessa forma, a adoração no Islam, quer seja ela ritual ou não ritual, treina o indivíduo de uma tal maneira, que ele ama mais ainda o seu Criador e, conseqüentemente, ganha uma vontade e um espírito indômitos para extirpar toda a malignidade e opressão da sociedade humana e para fazer com que a palavra de Deus seja a dominante no mundo.
Jung cita que essas idéias se encontram na psicologia primitiva e na psicologia medieval pré-científica: é aqui que se situa a teoria da correspondentia, defendida pela Filosofia natural da Idade Média, e particularmente a noção clássica (de Hipócrates) de simpatia de todas as coisas. Assim, o princípio universal se encontra até na partícula menor e, por conseguinte, corresponde ao todo.
Outra situação interessante no fenômeno da sincronicidade é em relação ao afeto, ou seja os acontecimentos impregnados de emoção, são mais facilmente “sincronizados”.
Jung salienta que esta não é uma idéia nova, mas já era conhecida de Avicena e de Alberto Magno. Este, por sua vez, acreditava que na Alma Humana habita um poder (virtus) capaz de subordinar e mudar a natureza das coisas, em especial quando expressa por algum tipo de forte emoção (como amor ou ódio), que ligaria (magicamente) as coisas e as modificaria no sentido em que a Alma quiser.
Em alguns casos, supõe Alberto Magno, a hora adequada, a situação astrológica, ou uma outra força correm paralelas com esse afeto que ultrapassa todos os limites. Assim, a Alma pode se achar tão desejosa de alguma coisa que gostaria de realizar, que pode escolher espontaneamente a hora astrológica melhor e mais significativa que rege também as coisas que concordam melhor com o objeto de que se ocupa. Jung, explica que Alberto Magno, em conformidade com o espírito da época, explica os fenômenos de coincidências significativas postulando uma faculdade mágica para a Alma, sem levar em conta que o processo psíquico é tão “organizado” quanto a imagem coincidente que antecipa o processo físico exterior.
A hipótese do Conhecimento Absoluto, a priori, denuncia que o “inconsciente muitas vezes sabe mais do que a consciência”.